domingo, 29 de setembro de 2013

Cartas de amor



Há muito, muito tempo atrás, em uma época em que ninguém pensava em trocar e-mails e ter contas em redes sociais, a comunicação a distância era feita por trocas simples cartas de papel. E se hoje em dia muitos escrevem erroneamente VC, FDS e outras siglas estúpidas e assassinas do Português, antigamente a escrita era executada de maneira extremamente requintada. É sobre essa diferença de costumes que tratarei nessa postagem. Do que irei falar? Do livro “Cartas de Amor”.
Se engana quem pensa que Monteiro Lobato somente criou o tão consagrado “Sitio do Pica-pau Amarelo”. O livro “Cartas de Amor” publicado postumamente revela o conteúdo das cartas que o até então advogado, José Bento Monteiro Lobato enviou a sua futura esposa, Maria da Pureza Natividade. São várias cartas datadas desde o segundo semestre de 1906 até o princípio de 1908.
São mais de cento e setenta páginas que revelam a rotina e a profundidade dos sentimentos de Lobato por sua noiva. O interessante é perceber logo nas primeiras cartas o quanto a maneira de escrever se modificou ao longo dos últimos cem anos. Também dá para perceber a diferença de costumes estabelecida entre as pessoas com o passar do tempo. Em algumas páginas nos vemos diante da ansiedade de Monteiro Lobato em receber a resposta por suas epístolas. Assim como ele temos a impressão de que Purezinha não deveria correspondê-lo. Ao mesmo tempo em que também temos a impressão de que o autor era um tanto insistente ao forçar sua noiva a escrever, mas na verdade o que a impedia de agir era a diferença de comportamento imposta pela época. Enquanto hoje em dia as mulheres conseguiram liberdade suficiente para se expressar antigamente elas eram impedidas de expor seus sentimentos de maneira tão fervorosa.
Seria uma experiência interessante se pudéssemos ler também as respostas de Purezinha para Juca (apelido com o qual Lobato assinava as cartas), mas nesse livro apenas acompanhamos os relatos do jovem. A maneira como o autor descreve os acontecimentos em torno de sua pacata e rotineira vida acaba nos fazendo sentir uma determinada empatia por sua situação, pois antigamente todos eram constantemente consumidos pela saudade. A profundidade com a qual Lobato expõe seus sentimentos pela noiva nos faz perceber sua maneira simples e direta de amar.
Um único ponto negativo e um pouco desagradável que percebi foi o fato de que por serem relatos de uma vida comum e corriqueira torna o livro monótono demais em determinados pontos. Mas nada disso tira o brilho de se estar lendo uma obra de Monteiro Lobato. Se hoje somos bombardeados o tempo inteiro com informações em tempo real e temos que saber filtrar tudo o que for realmente beneficente, há cem anos havia a preocupação de ser objetivo o suficiente para tornar fácil o entendimento do que está sendo relatado. Isso sem mencionar, mais uma vez, a exigência de se escrever de maneira realmente impecável. Por serem cartas totalmente descompromissadas, não precisariam ter sido escritas de forma tão requintada.
Não sei como deve ter sido o casamento de Lobato e Purezinha, mas esse livro demonstra algo que é difícil de se ver nos dias atuais. A importância de um relacionamento sincero e honesto a caminhando para uma vida simples. Sempre admirei muito a garra de Monteiro Lobato para correr atrás do que acreditava. Antes mesmo de ter se tornado um escritor tão reconhecido e famoso, ele se mostrava ser uma pessoa altamente esforçada. Li em algum lugar que na época em que decidiu se tornar escritor, era ele mesmo quem produzia seus livros e saia batendo de porta em porta para vendê-los. Como autor independente, sei exatamente como é difícil executar essa tarefa. Hoje em dia as pessoas se recusam a atender Evangélicos que batem a sua porta para falar da palavra de Deus. Possivelmente não fariam diferente com algum autor tentando fazer seu trabalho valer a pena.
Confesso que esse livro caiu na minha mão por acaso em uma visita a livraria, mas achei muito interessante a experiência de lê-lo. Só o fato de ser do autor do “Sitio do Pica-pau Amarelo”, já vale a indicação.

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